an Cantinho da pepper: Violência doméstica

19 janeiro, 2006

Violência doméstica


As lágrimas corriam-lhe pelas faces. Sentia-se maltratada, agoniada, cheia de resíduos corrosivos na alma. Não conseguia raciocinar claramente. Ora, depois dos pontapés e golpes secos que recebera, quem conseguiria?
Ouvia a voz da mãe – “É assim, minha filha. A gente habitua-se. Temos de levar a nossa cruz até ao fim. O que conta é sermos mulheres dignas, boas mães, respeitadoras dos nossos maridos”.
Não! Acabara! Tinha direito a viver, a ser acarinhada, respeitada.
O corpo cheio de nódoas era a marca do que até ali fora o seu mundo: vergado, desfeito, destruído. Por quem? Pelo único homem a quem amara. Pelo seu marido. Pelo seu amor. Pelo seu dono!
Primeiro, fora o abandono a que a enterrara. Depois, as mentiras, os enganos, a solidão com que ia tecendo a amargurada vida que não desejara. Em silêncio, foi-se acostumando a uma vida sem futuro. Até que, um dia, surgiu a primeira bofetada, a primeira agressão física, o início do inferno.
Estava farta. Farta do silêncio com que escondia a sua vergonha – não seria a dele?! Farta de ter medo. Farta de ocultar aos olhos do mundo a farsa que era o seu casamento. Farta dos pedidos de desculpa e das frases já habituais: “Juro-te, nunca mais. Não me deixes. Que queres? Perdi a cabeça... Nunca mais. Sabes que gosto muito de ti”.
O sabor das lágrimas e do sangue misturando-se na boca. E, de novo, parecia ouvir a voz da mãe: “Tem paciência, filha. É a nossa sina e há que aguentar. Há homens que só nascem para fazer a nossa desgraça. Mas é homem...”
Sentia-se roubada. Sim, roubada. Onde estava a fatia de felicidade a que todos temos direito? Como pôde o amor tornar-se tão sórdido? Não, não podia ser isso. Algumas pessoas é que conseguem tornar o amor sórdido e aviltante. Ele é que fora vil, mentiroso, desonesto, um biltre. Ela? Ela fora educada para a aceitação passiva da vontade do homem. Nunca ninguém se atrevia a censurá-lo. A sociedade aceitava determinados comportamentos, chegava a incitá-los. Que interessava que ele fosse um alcoólico, um violentador,um inútil?! Era homem. E, como a mãe lhe ensinara, aos homens nada ficava mal.
Iria embora. Alguém, à face da terra, ajudá-la-ia, por certo. Iria embora. Ele que se desenrascasse sozinho. Os vizinhos que falassem, a sociedade hipócrita que acusasse o que fingiu sempre ignorar.
A dor parece esmagar-lhe a cabeça. Dor física e dor que vem da alma. Uma dor que vai e vem. Não é como das outras vezes. Começa a fechar os olhos. A dor é cada vez mais forte. Sente-se agoniada, a visão começa a faltar-lhe. Só mais um minuto e tudo ficará bem. Será como das outras vezes. Com a diferença, claro, que ela já não estará em casa quando ele voltar para lhe pedir perdão, chorando como um menino desamparado.
A sala parece girar. Esbater-se. O medo, a vergonha, as humilhações pertencem já ao passado. Sente uma enorme vertigem... mas a dor começa a enfraquecer, a recuar, dando lugar a uma certa inconsciência.
Respira devagar. O peso na cabeça já não a incomoda, é como se já não tivesse a ver com o seu corpo. Tenta, num derradeiro alento, arrastar-se até à porta, mas não consegue. Um último pensamento lhe ocorre e fá-la sorrir – quando ele vier, ela já não estará, como sempre, à sua espera. Nunca mais!

A.R.


Há certas realidades que incomodam.
Não adianta ignorar e se incomoda é porque sabemos que isto se passa muitas vezes bem perto de nós.
O que será, que move estas pessoas para permanecerem, tanto tempo, em constante sofrimento?
Talvez a falta de amor próprio. O pensar no bem da família. Não sei!
Mas, será que não está na hora de pensar, primeiro nelas e só depois nos outros?
E quando pensam no bem dos filhos? Será que lhe perguntam a sua opinião?

Existem sentimentos que precisamos matar, para nos dar a oportunidade de ser feliz.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E a realidade e a dor de muitas...

bem sei, mas tb sei que e duro mudar e como se precisa-se de desculpa para dizer para nao quero mais.....

as vezes so nos nossos limites encontramos a forca, mas en fim q um dia acordas e decides o que queres para ti.

Perdoa-te a ti, da-te tempo a ti que mais tarde vais sorrir e a culpa vai desaparecer...

Eu sei por experiencia propria o quanto doi e o quanto e duro mudar-mos, porque eu ainda estou a tentar.

bjo
Debby

quinta jan. 19, 10:29:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Porque não mudar?!...às vezes somos nós próprias que enchemo-nos de medos e cobardia porque achamos que é dificil mas às vezes é mais facil do que pensamos. Também sei que por vezes por falta de auto estima suficiente não encontramos forças dentro de nós para enfrentarmos as situações.

A falta de ajuda, de compreensão e de encorajamento por parte das pessoas que nos rodeiam proporciona uma situação desmotivadora pois, por vezes, quando sabem fogem a 7 pés da situação...o que é triste!


Violência doméstica toca-nos a todos!


Violência doméstica, para quem pratica, é como o vício das drogas ou da bebida....quando começa nunca mais pára...cabe à vitima tomar uma atitude ou então estará a entrar num beco sem saída.

Sinto muito, pelas pessoas, sobretudo mulheres e crianças que passam por esta situação...É uma situação injusta porque ninguém pede nem deseja ser violentado, salvo algumas excepções.

Desejo do fundo do meu coração que essas vítimas se encontrem e consigam sair desse grande problema.

Que Deus vos ajude, esteja sempre convosco nesta grande luta e que vos abra uma porta....

E FORÇA!!A vida não foi destinada para ser assim....nunca percam a esperança pois ela é a vossa conduta para uma vida melhor...

quinta jan. 19, 11:40:00 da tarde  

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